26 de junho de 2014 às 16:37
Nas últimas semanas, arrebanhados pelo amor ao futebol (ou pela falta de opções perante a tomada de todas as mídias pelo assunto), temos visto um constante “jogar de merda ao ventilador” no que concerne a identidades culturais. Talvez impelidos pela “sede de vitória”, ou pela “sede de derrota” do “outro”, muitos de nós (quem?) exageramos na exposição de nossos mais profundos sentimentos de pertencimento a algum grupo humano. É o show dos estereótipos! Alguns não titubearam em afirmar que “odeiam os [insira aqui seu grupo étnico odiado]”. Alguns famosos escorregaram bonito dizendo atrocidades que vinham dos confins da alma (também conhecida como cérebro, ou coração). Será o futebol um bom veículo de aproximação dos povos? Não esqueçamos dos americanos, que não gostam de “soccer”, na sua maioria, e estão em suas casas se perguntando: “como esses povos do resto do mundo gostam dum troço tão chato”? Claro, pergunta feita é pergunta postada, a internet está ai pra isso.
Nacionalismos, regionalismos e folclore
É claro que o futebol não cria o preconceito, a ignorância, etc. Ele é só mais um espaço coletivo onde cada um se expressa do seu jeito e com seus próprios preconceitos e sua própria ignorância. É bom lembrar que em um passado não tããão distante as nações eram apresentadas umas às outras, geralmente, pela prática de outro esporte de contato físico: a guerra. Com a criação de novas tecnologias (como as bombas, os mísseis, o antrax, etc) a guerra já não aproxima mais as pessoas como antes (como a ironia é um recurso pouco compreendido nas redes, quero declarar que isso é brincadeira,a guerra nunca aproximou as pessoas, ok?). Então, o primeiro problema pode estar por ai: o contato entre “nações”. Essa noção tão cara a nossos antepassados e meio fora de moda na pós-modernidade, assim como o casamento (será? Ahã!), pressupõe,justamente, o fortalecimento de um bloco cultural, que pretende ser igual a si, para ser, mais e mais, diferente dos outros. Em tempos de copa essa noção é o que há. Nós (quem, cara pálida?) somos um só! Uma nação! Não é o que mostrou o meu conterrâneo Eduardo Bueno quando disse, esta semana, que “o nordeste é uma bosta”,nem o que mostrou a massa ofendida por ele dizendo “só podia ser gaúcho, tudo nazista”. Por um minuto os paulistas descansaram dos insultos de “coxinha”. Que me perdoem as pessoas sérias que se definem como folcloristas (e há muitas!), mas a noção predominante de “brasilidade”, “baianidade”, “gauchismo”, etcetrismo,é infame. Em grande parte influenciada por quem? O futebol (bode expiatório da vez). Há uma tendência de definição de pertencimento cultural a partir de mitos essencialistas que remetem a pior acepção possível da palavra “folclore”. Aparentemente,ser arcaico tá na moda.
Conhecimento e Tolerância
Na minha modesta opinião, “tolerância” é a pior palavra a ser empregada para tentar resolver essas questões de identidade e diferença (geralmente é a mais empregada). Tal palavra trás consigo, inevitavelmente, a noção de hierarquia. Quem tolera é,necessariamente, superior ao tolerado. O que faz falta entre diferentes é conhecimento do outro.
Como conheci argentinos, uruguaios e a ilusão de América Latina
Algumas pessoas, pertencentes a facções criminosas de torcidas organizadas,oriundas da Argentina, saíram de suas casas para destruir Porto Alegre e agora rumam para São Paulo. Eles representam uma minoria(quase insignificante) dos torcedores argentinos que vem prestigiar a copa. Esta mesma frase foi traduzida por algumas mídias da seguinte forma: Os Argentinos estão chegando! Fechem suas casas! Todos vêm armados! Seus usos e costumes canibais não respeitam sexo, raça,credo, idade... Vão matar quem ousar cruzar seu caminho! Acreditem,a melhor maneira de conhecer seu vizinho não é envenenando seu gato! Em 1994, a convite de um grande violonista argentino, passei a frequentar aquele país como seu aluno. Nos últimos 20 anos conheci inúmeros “hermanos” (termo carregado), os recebi em minha casa e eles não tensionavam destruir nenhuma cidade. Muitos sabiam todas as harmonias e letras de bossa-nova que existem e amavam o Toquinho.Quando eu era criança o melhor amigo do meu pai era o Ramon (não o Seu Madruga). Ele era um uruguaio que vivia no RS (como tantos) e me apresentou vários dos grandes músicos que são meus ídolos até hoje. O que eu quero dizer com isso? Duvido alguém que conheça Borges, Berni, Guastavino, Ginastera, Gardel, assado de tira e surubí odiar “Os Argentinos”. Duvido alguém que conheça Noel,Villa-Lobos, ijexá, moqueca, aipim (macaxeira, mandioca), carimbó odiar “Os Brasileiros”. Duvido alguém que vá a uma boa festa junina e ache o nordeste “aquela bosta” (além de festas "Os Nordestinos" fazem muitas outras coisas, como trabalhar diariamente).Não acho que a arte salva o mundo. Nem a culinária (será?). Nem as festas (cri, cri, cri...). Mas há muitas formas de conhecer “outros”ALÉM do futebol. Por último, quero dizer que gosto de futebol. PS:procure não morder ninguém ao praticar este esporte. PS2: a América Latina é um imenso território que vai do limite do México com os EUA até a Patagônia, mas as filiações culturais se dão em porções bem menores de terra, não obedecendo, necessariamente, as fronteiras entre países.
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