Neste blog pretendo disponibilizar parte da minha produção artística e bibliográfica para quem tiver interesse. Aqui estão disponíveis meus discos e alguns artigos, partituras, MP3, vídeos, etc. Também pretendo "subir" excertos de trabalhos alheios onde tenho participação, contando, evidentemente, com o consentimento dos demais autores.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Preconceito, caos, OSPA, Kurt Masur e outras cositas más (2012)


“O Rio Grande do Sul perdeu o interesse por sua orquestra porque nosso nível cultural tem caído assustadoramente nos últimos anos... Sendo assim, a música sinfônica perdeu espaço para a gaita e o tamborim.”

“O Brasil tem uma música popular tão boa que nem precisa de música erudita”

       Nos últimos dias tenho visto um Facebook repleto de manifestações calorosas sobre a caótica situação “atual” da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Tudo começou, pelo menos no meu monitor, com a criação do grupo “Amigos da OSPA”, mas, evidentemente, este grupo nasceu após vários problemas virem à tona. A OSPA enquanto instituição pública tem problemas que em muito lembram os da universidade pública brasileira, onde trabalho, e são especialmente de cunho político e administrativo. No entanto, e por conseqüência, o que mais me instigou nos debates sobre a orquestra são as questões de cunho ético (pela primeira vez vi os músicos se colocando com veemência, sem o marasmo tão característico do etos da profissão), estético e sociológico.
      Duas lembranças eclodiram na minha cabeça ao ler afirmativas como: “O Rio Grande do Sul perdeu o interesse por sua orquestra porque nosso nível cultural tem caído assustadoramente nos últimos anos. Em razão disso, os políticos não se importam com ela por falta de pressão social em favor de seu engrandecimento. A OSPA foi criada quando os gaúchos queriam ser europeus e cosmopolitas. Hoje, querem ser apenas gaúchos. No máximo, brasileiros. Sendo assim, a música sinfônica perdeu espaço para a gaita e o tamborim”. A primeira lembrança foi minha visita ao Musée des Instruments, na Cité de La Musique, em Paris. Após três andares contando a história da música (evidentemente a história da música escrita, já que tratava de períodos pré-fonograma) chega-se a uma divisão bastante representativa: a porta 1 leva o visitante à “musique contemporaine”, enquanto a porta 2 leva à “musique du monde”. Estranho? Sim, estranho! No mínimo a tal música contemporânea é de outro mundo, como já sugeriu Stockhausen, seja ele a Europa ou o planeta de origem do compositor.
      Outra lembrança foi a do grande maestro Kurt Masur na sua última passagem pelo Brasil. Na ocasião, o maestro não cansou de vomitar máximas do repertório colonialista como: “O Brasil tem uma música popular tão boa que nem precisa de música erudita” (O Estado de São Paulo, 2003). Esta frase foi aceita como um elogio à cultura brasileira, com todo seu molejo, sua mestiçagem, seu “talento”, seu dionisíaco, sua irracionalidade, enfim, a frase carrega em si todas as caricaturas já bem conhecidas no mundo da “Grande Arte” desde quando Stokovski recrutou, com o auxílio de Villa-Lobos, uma turma de Pixinguinhas e outros “inhas” que não mereceram, sequer, ter o nome gravado na capa do LP “Native Brazillian Music”.
       Na mesma semana destas aparições recorrentes da OSPA no meu FB, fiquei sabendo que mais um músico de alto gabarito debandou para Belo Horizonte onde parece nascer mais uma grande orquestra brasileira, digo nascer porque, bem como a OSESP, a Filarmônica de BH teve uma bela re-significação no seu quadro, basta dizer que irá receber em julho ninguém menos que Krzysztof Penderecki para um concerto. Nisso, lembrei da OSESP que abriu sua temporada com uma obra inédita da jovem compositora Clarisse Assad, temporada esta que tornará públicas várias encomendas da orquestra a jovens e velhos compositores de extratos estéticos diversos. Vale ressaltar que estas obras foram comissionadas e, certamente, bem pagas, pela instituição.
        Nos últimos anos tenho visto vários CDs da OSESP apresentando solistas tão “clássicos” quanto o Arnaldo Cohen e tão “populares” quanto a Banda Mantiqueira. Aparentemente, o que norteia as escolhas naquela orquestra é um conceito de qualidade que não sobrepõe o piano à gaita, mas sim o bom pianista ao mau acordeonista, ou vise-versa. Aquela orquestra tem apresentado repertórios de alto nível em gêneros musicais múltiplos. Recentemente vi uma apresentação da orquestra Simón Bolívar regida pelo Gustavo Dudamel e, neste caso, o furo é mais embaixo. A impressão é de que cada músico da orquestra é um protagonista, de fato são, mas o importante é que eles sabem que são. Naquele concerto não existiu hierarquia entre Stravinski e Carlos Chavez, tudo foi monumental, das maracas ao violino 1.
        Onde eu quero chegar com esse papo? Não sei ao certo. São muitas coisas pelo caminho. Talvez comece por uma formação universitária cada vez mais desqualificada, alimentada, também, pela inexistência de uma formação pré-universitária (agravada, sem dúvida, pelo fechamento da escola da OSPA). Por outro lado, a manutenção de conceitos e, principalmente, preconceitos sobre o que vem a ser a qualidade artística, o apego a um conceito de “Cultura” cada vez mais anacrônico. Por que as artes visuais e cênicas têm atropelado (por seus méritos) a música em Porto Alegre? A Bienal cresce, o Porto Alegre em Cena cresce, o Palco Giratório já é, praticamente, do mesmo porte do POA em Cena, etc. A OSPA decresce, o Festival de Inverno nunca se sabe, enfim, tem coisa errada na música do RS, especialmente na música. Não estou tirando o demérito inquestionável dos governos do estado, mas, como já denota o artigo do Sul21, tem outras instâncias que não funcionam bem. Por último, reitero meu apoio aos músicos da OSPA que estão correndo atrás, afinal, a casa só não caiu porque nunca foi erguida.

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